sexta-feira, 7 de março de 2014

What it feels like for a girl - Parte 1

Cecília Lisbon, a caçula das Virgens Suicidas, e a sua sabedoria de mulher.

Oi gente!Aproveitando a onda do pseudo dia da mulher,resolvi satisfazer duas vontades minhas,falar sobre a condição feminina no cinema e fazer a primeira lista de filmes aqui do Cinemamour.

Bom,como  já cantou o maravilhoso James Brown,vivemos em um mundo de homens,e o mundo do cinema,infelizmente,ainda não foge muito desse padrão,apesar de vermos uma crescente ampliação do número de diretoras mulheres e dos filmes com uma visão  menos estereotipada sobre o mundo feminino.

Eu,particularmente,adoro filmes com esse enfoque mais real sobre o que é ser mulher,principalmente porque conheço bem as nuances,as sutilezas,as dores e as delícias(valeu Caetano!) que envolvem o universo do mulheril e além disso,considero uma tarefa difícil transpor um tema tão complexo e rico pra tela.Tanto o é, que são raros os filmes que conseguem essa proeza,e os poucos que a conseguem merecem nossa admiração e portanto,escolhi alguns dos meus preferidos pra indicar pra vocês hoje.Vamos os indicados:


1)Virgens Suicidas- Sofia Coppola


    


Baseado no livro de Jeffrey Eugenides,o filme de estreia de Sofia Coppola é uma pérola,alguns atribuem a qualidade do filme à sorte de principiante de Sofia e ao ar cool do filme,mas eu vejo de outra forma.Pra mim,um dos maiores trunfos de Sofia foi retratar,de forma fiel e tangível,várias das faces do feminino,em Virgens  vemos o aprisionamento,a beleza,o mistério e a transgressão intrínsecos às vidas de qualquer garota.A repressão vivida pelas irmãs Lisbon não é estranha a nenhuma mulher,nem à própria Sofia que cresceu encarcerada em Hollywood,e colocou muito de si no filme,inclusive no roteiro que ela mesma adaptou.Nessa adaptação do roteiro há um trecho especial,em poucas palavras ele diz muito do que há pra ser dito,aí vai:
'Soubemos como dói o vento do inverno entrando por debaixo da saia, como é sofrido manter os joelhos juntos na sala de aula, e como é monótono e irritante ter que pular corda enquanto os meninos jogam beisebol. Nunca conseguimos entender por que as meninas faziam questão de ser maduras, nem por que sentiam tanta necessidade de elogiar umas às outras, mas às vezes, depois de um de nós ter lido em voz alta um longo trecho do diário, tínhamos que combater o desejo de nos abraçar ou de dizer uns aos outros como éramos bonitos. sentimos o aprisionamento que é ser garota, e como isso torna a mente ativa e sonhadora, e como a gente acaba sabendo quais cores combinam entre si. (…) Soubemos, afinal, que as garotas são na realidade mulheres disfarçadas que compreendem o amor e até mesmo a morte..."


2)Caramelo-Nadine Labaki




Mais um filme de mulher pra mulher.A libanesa Nadine Labaki dirige o bem humorado Caramelo,ambientado num salão de beleza em Beirute,o filme expõe muitos conflitos e dilemas femininos de forma leve e bonita.Cheio de belas imagens e metáforas,o filme é um dos obrigatórios no quesito feminilidade.Anseios e  problemas comuns ao cotidiano da mulher são mostrados de uma maneira ao mesmo tempo doce e pungente.Os contrastes entre o Oriente e o Ocidente são bem marcados no filme e rendem ótimas reflexões.O carisma do filme é tanto,que ele foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 2008 e persiste como o filme libanês mais divulgado até hoje.       


3)Coisas que você pode dizer só de olhar para ela-Rodrigo García


 


Aqui a prova de que alguns homens podem sim,pelo menos tentar,entender de mulher.Rodrigo García,ultra talentoso e sensível(também né?filho do Gabo...),diretor de cenas inesquecíveis em algumas das minha séries preferidas, A Sete Palmos e Em Tratamento,conta,em capítulos,histórias difíceis,cheias de solidão  e ternura.Com um elenco de atrizes extraordinárias,ele conduz as tramas de maneira íntima e envolvente.É lindo de ver o enquadro que Rodrigo dá para cada caso,ele mostra de perto,mas ao mesmo tempo dá espaço para as conclusões e dúvidas do expectador.Ao final do filme nos indagamos sobre aquelas mulheres,sobre suas motivações e personalidades.O título longo faz jus ao espírito do filme e dá uma ideia justa do que encontramos nele.Ao ver Coisas passamos a reparar, a investigar as tais coisas que Rodrigo nos propõe,é um filme delicado e certeiro como poucos,vejam com cuidado.


Por hoje,é só pessoal!Paro por aqui com a primeira parte da lista e volto no próximo post com mais filmes e mais feminices,aguardem as próximas cenas.Hasta la vista,babies!







quinta-feira, 6 de março de 2014

Million dollar baby

Para ouvir:


Bom dia comunidade!E aí?Como passaram o Carnaval?Eu, como péssima foliã que sou,arrastei meu bloco pro cinema e gostei do que vi,vou começar do fim,falando do filme preto e branco que vi nessa quarta feira de cinzas.

Tão difícil,tão fácil falar de Nebraska. A dificuldade vem da sensibilidade e do minimalismo do filme,tão bonitos,tão complicados de se descrever.A facilidade fica por conta do apego,do roteiro agridoce,do gostinho de quero mais que o filme deixa na gente.Posso dizer pra vocês que se trata de um road-movie,de uma trama familiar,mas que vai muito além disso,aliás eu diria que Nebraska é todo um outro nível de filme sobre famílias e viagens transformadoras,Alexander Payne,o diretor, jogou nele o melhor do seu estilo,assim meio indie,assim meio drama,assim como a vida.

Nebraska é sem dúvida o melhor filme de Payne,com o melhor que ele sabe fazer,porém com uma precisão e uma honestidade que ele nunca tinha alcançado.Partindo de uma sinopse sem grandes novidades,Payne fez mágica pura,refinou o que poderia ser mais do mesmo e fez um filme capaz de agradar a a gregos e troianos.Há tempos,eu não via reações tão uníssonas,numa sala de cinema,parecia tudo sincronizado,na hora de rir todo mundo riu,na hora de lacrimejar,ninguém escapou e todo mundo pareceu muito satisfeito no final.

Eu,das mais felizes,é claro.Adoro filmes que me comovem,e este é daqueles inesquecíveis.Foi tão lindo de ver,a maneira como Payne entrega os personagens é tão palpável,tão crua,a platéia fica ali colada,olho e coração na tela, e as atuações inspiradas são de aplaudir de pé.Bruce Dern,nosso adorável e teimoso Woody,possivelmente,fez seu papel mais marcante,até hoje.Woody e a odisseia do prometido milhão de dólares desenrolam o cenário pra falar de senilidade,famílias disfuncionais e alcoolismo.


O cenário físico escolhido pra história melancólica,também,não poderia ser melhor,o oeste americano solitário e anacrônico,pintado de preto e branco,repleto de personagens tragicômicos e inundado de nostalgia é o lugar perfeito pra viagem de acerto de contas.A fatídica viagem começa quando David,o filho mais novo de Woody,se dispõe a ajudar o pai a buscar um suposto prêmio em outro estado,contra a vontade de sua mãe Kate,interpretada pela maravilhosa June Squibb.

Como todo mundo já sabe,pra cada quilômetro rodado tem um ressentimento e um afeto na pista,incluindo o épico pit stop da cidade de Hawthorne,terra natal e Woody e palco das melhores cenas da família reunida.A cidadezinha é um fantasma só,cheia de velhinhos  e sonhos perdidos,nela conhecemos as origens de Woody e entendemos os rumos que ele traçou na própria vida.


Não posso deixar de ressaltar a cena na velha casa de Woody,quanta delicadeza,quanta força teve nessa sequência, nela Dern mostra a fragilidade do Woody criança presa nos olhos  confusos do Woody senil.A atuação dele é o pilar do filme,confesso que poucas vezes vi um retrato da velhice tão realista,sem maneirismos,sem apelação,cada olhar atordoado e cada tropeço são significativos e enchem o personagem de carisma e ternura,fico feliz que ele tenha conseguido a premiação em Cannes,foi mais que merecido.Nessas cenas da casa,a inversão de papéis é clara e vemos os filhos guiando os pais e tratando-os como as crianças que um dia foram,é o fim,é o começo,é o fechamento de um ciclo,é maior que o as diferenças,maior que as mágoas,é forte é universal.

O microcosmos americano fica pequeno pra esse drama,porque ele é do tamanho do mundo,do tamanho da nossa humanidade,é nesse ponto que a direção de Payne mais embeleza  a história,o filme pega o comum mas foge sempre do óbvio.Em Nebraska,vemos os detalhes,é um filme de sutilezas,que arranca da realidade os seus ângulos mais tristonhos e bonitos,que nos faz lembrar das dualidades do viver e da fragilidade dos sentimentos,é um filme delicado e por isso mesmo feito para os fortes.Portanto,sejam fortes,vejam Nebraska,pelo o que ele é,um filme merecedor das suas 6 indicações ao Oscar e merecedor de muito mais,mas sobretudo vejam Nebraska pelo o que somos,apenas mais do mesmo,apenas os mesmos e não mais.

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